segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Os Lusíadas: Canto I

Esse é o teste do retorno. Se tudo der certo, quem sabe posso voltar a postar com certa freqüência. Para a retomada, trago os versos iniciais do maior poema da língua portuguesa. Em todos os sentidos, Os Lusíadas, é uma obra única na nossa cultura. O mais inacreditável, porém, é que, mesmo sua obra tendo recebido um certo reconhecimento (Camões tinha uma pequena pensão do rei), o poeta morreu na miséria e esquecido, com sua obra sendo valorizada somente depois de sua morte. Como compensação, ele morreu (1580) logo depois de ver sua maior esperança virar fumaça: a continuidade do reino por D. Sebastião (1578), na batalha de Alcaçar-Quibir.

 

Os Lusíadas – Luis Vaz de Camões

 

Canto I

 

1

As armas e os Barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

 

2

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando,

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

 

3

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

 

4

E vós, Tágides minhas, pois criado

Tendes em mi um novo engenho ardente,

Se sempre em verso humilde celebrado

Foi de mi vosso rio alegremente,

Dai-me agora um som alto e sublimado,

Um estilo grandíloco e corrente,

Por que de vossas águas Febo ordene

Que não tenham enveja às de Hipocrene.

 

5

Dai-me ũa fúria grande e sonorosa,

E não de agreste avena ou frauta ruda,

Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

Dai-me igual canto aos feitos da famosa

Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;

Que se espalhe e se cante no universo,

Se tão sublime preço cabe em verso.

 

6

E vós, ó bem nascida segurança

Da Lusitana antiga liberdade,

E não menos certíssima esperança

De aumento da pequena Cristandade;

Vós, ó novo temor da Maura lança,

Maravilha fatal da nossa idade,

Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,

Pera do mundo a Deus dar parte grande;

 

7

Vós, tenro e novo ramo florecente

De ũa árvore, de Cristo mais amada

Que nenhua nascida no Ocidente,

Cesárea ou Cristianíssima chamada

(Vede-o no vosso escudo, que presente

Vos amostra a vitória já passada,

Na qual vos deu por armas e deixou

As que Ele pera si na Cruz tomou);

 

8

Vós, poderoso Rei, cujo alto Império

O Sol, logo em nascendo, vê primeiro,

Vê-o também no meio do Hemisfério,

E quando dece o deixa derradeiro;

Vós, que esperamos jugo e vitupério

Do torpe Ismaelita cavaleiro,

Do Turco Oriental e do Gentio

Que inda bebe o licor do santo Rio:

 

9

Inclinai por um pouco a majestade

Que nesse tenro gesto vos contemplo,

Que já se mostra qual na inteira idade,

Quando subindo ireis ao eterno templo;

Os olhos da real benignidade

Ponde no chão: vereis um novo exemplo

De amor dos pátrios feitos valerosos,

Em versos divulgado numerosos.

 

10

Vereis amor da pátria, não movido

De prémio vil, mas alto e quási eterno;

Que não é prémio vil ser conhecido

Por um pregão do ninho meu paterno.

Ouvi: vereis o nome engrandecido

Daqueles de quem sois senhor superno,

E julgareis qual é mais excelente,

Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

 

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