sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Meus oito anos

Casimiro de Abreu é o poeta do amor ingênuo. Apesar de amigo de Machado de Assis e patrono de uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras, o poeta da segunda fase do romantismo nunca escreveu sobre os amores rebuscados, falando sempre das memórias da infância e das saudades de então. Além disso, nas mentes do estudantes brasileiros, Casimiro de Abreu é de fato o poeta de 'nossos oito anos'. Quem nunca leu esse seu poema na escola? e nunca soube apreciá-lo somente mais tarde? O que fala o poema não retrata no seu sentido literal os oito anos da maioria, mas nos faz lembrar nossos oito anos, e nos   sugere paralelos, evocando nossas próprias saudades de escola.


Meus oito anos - Casimiro de Abreu


Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh ! dias de minha infância!
Oh ! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar!

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Como se rouba um coração

Luis Fernando Veríssimo, escritor e filho do também escritor Érico Veríssimo é um dos mais populares cronistas do Brasil. Ele é capaz de aliar frases de suprema sátira como "Viva cada dia como se fosse o último de sua vida. Um dia você acerta", com belas crônicas sentimentais e cheias de poesia. A seguir, uma de suas mais famosas nesse molde.

Como se rouba um coração - Luis Fernando Veríssimo



Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto,
não se alcança o coração de alguém com pressa.
Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele aos poucos, com cuidado.
Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo, docemente.
Conquistar um coração de verdade dá trabalho,
requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança.
É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade.
Para se conquistar um coração definitivamente tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos.
Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes,
que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.
...e então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco.
Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração.
Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria.
Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que?
Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós.
Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava.
... e é assim que se rouba um coração, fácil não?
Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade,
a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então!
E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... é simples...
é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O Palácio da Ventura

Antero de Quental é um dos maiores nomes do Romantismo português, e em especial, da poesia romântica. Assim como em sua vida conviviam seu militantismo socialista fanático e seu distúrbio bipolar, também seus poemas tem duas fases, a primeira, socialista militante, e a segunda da metafísica desesperançada e perdida. Essa segunda fase é considerada pelos estudiosos a de maior valor artístico. Mas foi a riqueza e importância de sua família que lhe permitiram não só viver de rendimentos para fazer poesia, mas também ter contato com todos os grandes nomes da literatura portuguesa daquele período.



O Palácio da Ventura - Antero de Quental


Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão — e nada mais!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Memórias Póstumas de Brás Cubas


Joaquim Maria Machado de Assis é o escritor que prova, a despeito de todas as enrolações históricas sobre o Brasil imperial que o preconceito e o racismo nunca fizeram parte da cultura nacional. Filho ilegítimo e mulato, não foi isso impedimento para que, não só ele fosse um autor prestigiado e considerado, mas que ascendesse socialmente, casando-se inclusive com uma moça da alta sociedade. Ao mesmo tempo, foi ele o autor, tanto nos contos como nos romances que introduziu o realismo no Brasil, deixando para trás a era romântica de José de Alencar. Brás Cubas é, sob um certo aspecto, o livro mais importante da literatura brasileira. Particularmente, o considero o mais bem escrito. Machado de Assis teve ainda a honra de ser apreciado por Eça de Queiroz, seu "rival" de certa forma por ter um outro estilo de realismo. Eis o trecho inicial.



Memórias Póstumas De Brás Cubas - Machado de Assis



Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança essas memórias póstumas

Ao Leitor

Que, no alto do principal de seus livros, confessasse Stendhal havê-lo escrito para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez, Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Stern de um Lamb ou
de um de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia; e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; e ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o meio eficaz para isto é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao
entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas

CAPÍTULO 1 - Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim
mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira de minha cova: -- "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado."
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, -- minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, -- a filha, um lírio-do-vale, -- e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta
e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.
- Morto! morto! dizia consigo.
E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, -- a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.
Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma idéia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Via Láctea

Olavo Bilac é, pode-se dizer, o poeta parnasiano por excelência. Gerações decoraram e ainda decoram seus poemas na escola. Como todo parnasianismo, sua obra é composta de sonetos na forma clássica, intensamente trabalhados até atingirem a forma perfeita. "É como o vaso que o artesão lima até à perfeição".  O soneto a seguir tem adicionalmente a beleza dos 'enjambements' em muitos dos seus versos. Quando se lê, é importante para a sonoridade que a pausa no fim do verso seja quase imperceptível e a verdadeira pausa seja no fim da frase, onde quer que ele esteja. Isso faz da poesia rica, pela estrutura complexa que lhe proporciona.



Via Láctea - Olavo Bilac



"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas".

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Espólio do Senhor Cipriano - Parte IV


O estilo de Julio Dinis é uma mistura entre Romantismo e Realismo. Ao mesmo tempo, por ter mãe de ascendência irlandesa, ele dominava o inglês, o que lhe trouxe a possibilidade de leitura de clássicos ingleses, como Jane Austen e Dickens, de onde ele aprendeu o realismo psicológico, o qual ele mistura ao romantismo português. Sob essa ótica realista, sua obra tem um realismo muito mais inglês, com personagens complexas e que mudam de acordo com a narrativa do que com o realismo francês. Além disso, pelo encanto que tinha pelo próprio país, está misturado não só o romantismo dos sentimentos, onde, afinal, todos acabam felizes, mas um romantismo um pouco ufanista, que exalta a Pátria mostrando seus atrativos.

O Espólio do Senhor Cipriano - Júlio Dinis - Parte IV




— Ele me ajudará também — dizia consigo mesmo a boa mulher, como se quisesse colorir com um pensamento egoísta o impulso que lhe viera directamente do coração.
Nós temos destas coisas.
Mas o certo é que, apesar da melhor vontade, em pouco podia Agostinho auxiliar a madrinha.
Auxiliar de que maneira? Emprego não o pôde ele obter. Naquela cidade, como em muitas outras terras do reino, não se vêem com bons olhos os infelizes que voltam do Brasil pobres. Lá parece uma prova de pouco espírito e da nenhuma aptidão a essa boa gente um semelhante sucesso. O Brasil é, para ela, como o campo de batalha. Ou volta-se de lá vitorioso, ou morre-se combatendo. Fugir é de covardes.
E ora aí têm os leitores a razão por que dois meses depois da chegada de Agostinho, era ainda Maquelina quem só provia às despesas da casa, as quais, como era de supor, tinham aumentado; desenvolvendo a pobre velha esforços sublimes para um duplo resultado: obter meios de subsistência e ocultar ao sobrinho os imensos sacrifícios, a que para isso se sujeitava.
Mas Agostinho suspeitava-os e afligia-se. Um dia falou à madrinha nas vozes que corriam ainda sobre as
riquezas do defunto. Maquelina sorriu tristemente, respondendo:
— Pois procura-as.
Agostinho deitou-se à obra com calma, revolveu de novo o quintal a mais de um metro de profundidade, despregou as tábuas do soalho, sondou as paredes, trepou aos mais altos escaninhos da casa... tudo
foi inútil.
Disse adeus ainda a essa ilusão. O que lhe valeu foi estar já costumado a despedir-se delas. A primeira vez custa mais.
No entretanto os esforços e vigílias de Maquelina arruinaram-lhe a saúde. Lutou braço a braço com a doença como lutara com a fome. Lutas heróicas que passam ignoradas, enquanto tantas outras, muito
menos merecedoras das honras da epopeia, são extremamente celebradas em oitava rima. Afinal caiu vencida no leito, e então é que o futuro se lhe mostrou carregado. A pobre mulher não se iludia nem sobre a gravidade da sua moléstia, nem sobre as consequências da sua morte.
Que seria de Agostinho? Agostinho, a quem ela amava já como se amam os entes fracos que vieram procurar a nossa protecção, com esse amor bem mais intenso mesmo do que o votado aos seres que
nos protegem.
Porque o primeiro lisonjeia o nosso orgulho, e o segundo, esse, revela a nossa inferioridade. Coisas humanas.
O futuro de Agostinho era a ideia negra de Maquelina; como ela ficaria contente por morrer se não fora isso! Mas agora custava-lhe; esta lembrança aumentava-lhe a doença. Que diria ela à irmã, quando no Céu lhe pedisse novas do filho? Que o deixara na miséria? E era isso de boa madrinha?
E estes pensamentos e apreensões definhavam-na a olhos vistos. Agostinho aterrou-se, e reconheceu então tudo quanto tinha havido de heróica abnegação no procedimento da tia.
O seu coração de homem teve um movimento pelo qual procurou libertar-se da espécie de colapso em que infortúnios continuados o haviam lançado. Agostinho curvara a cabeça sob a corrente de desgraças que sem interrupção haviam sucedido na sua vida; agora tentava elevá-la em um último esforço.
— É preciso tentar fortuna — dizia ele consigo — amanhã de manhã sairei a pedir trabalho, a tudo me quero sujeitar, a tudo. E adormeceu com este pensamento, sonhando daí a pouco em uma mina de ouro, onde ao fim de muita fadiga, só conseguiu extrair enormes pedras de carvão.
O leitor pode imaginar toda a agradável voluptuosidade de semente sonho. Por a manhã ergueu-se disposto a realizar o projecto da véspera; mas foi encontrar a tia em um estado tão assustador, que não teve
imo para abandoná-la.
— Não tem de ser! — disse consigo Agostinho, a quem a desgraça ase tornara fatalista.
Maquelina mostrava-se de facto em risco iminente. O facultativo de partido veio vê-la; pois Maquelina havia enfim conseguido entrar no quadro dos pobres. Tomou-lhe um pulso, depois o outro; deu-lhe três pancadas do lado direito do tórax, igual número do esquerdo; pousou-lhe o ouvido sobre as descarnadas costelas, e, como se escutasse lá dentro os passos da morte, ergueu-se e fez um gesto de descontentamento visível.
Receitou um chá de alteia e saiu.
Agostinho esperava-o à porta.
— Então ?
O médico puxou pelo relógio, ao qual principiou a dar corda, dizendo com a indiferença profissional:
— Como àquela máquina se não dá corda como a esta, pára dentro em poucas horas.
Agostinho sentiu subirem-lhe as lágrimas aos olhos. O médico voltou-se ainda de novo para dizer:
— Eu escuso de cá voltar, agora o padre.
Estas palavras, ditas em tom mais alto e da maneira mais natural possível, como as sabem dizer alguns adeptos da ciência hipocrática, que se jactam de fortes, chegaram aos ouvidos de Maquelina, que juntou as mãos, e, erguendo os olhos ao Céu, disse com voz débil:
— Aqui está a serva do Senhor, cumpra-se em mim a sua santíssima vontade.
Quando Agostinho entrou no quarto, encontrou-a resignada. Nessa mesma tarde confessou-se e sacramentou-se aquela pobre de Cristo.
Na cidade dizia-se:
— Coitada! o irmão matou-a. Morre de fome e fadiga e com dinheiro em casa.
Era forte cisma a do povo.
Mas há dessas teimas.
Ao pé da noite pediu Maquelina um chá para mitigar a sede
Naquele dia não se acendera ainda o lume em casa. Agostinho esquecera-se de comer, e se se lembrasse não sei bem o que teria sucedido. Melhor foi que se não lembrasse.
Agostinho correu à cozinha, reuniu a custo alguns cavacos já meio queimados para acender o lume, e voltou à sala.
Maquelina dava-lhe instruções da cama.
— Ainda achaste lenha ?
— Achei, sim, madrinha.
— Bem; ora agora... Essa lamparina está acesa ainda?
— Está, madrinha, está, pois não vê.
— Não, filho, já a não vejo.
Havia neste já uma significação que comoveu Agostinho.
Ela continuava:
— Encontraste carqueja ?...
— Não, madrinha... mas...
— Valha-me Deus — disse ela, lutando já com dificuldades para se fazer ouvir. —Olha, sabes, aí... na gaveta do toucador... está uma papelada de que... às vezes me sirvo para economizar. Acende alguma
na... lamparina e... Ai! — terminou ela com um suspiro, que o longo esforço que tinha feito para falar lhe tornara necessário; e depois em voz mais baixa acrescentou:
— Louvado seja o Senhor, a que estado eu cheguei!
Agostinho abriu a gaveta.
— Aí — continuou Maquelina com voz sumida e trémula.
— Achaste? bem... ora agora...
Agostinho inflamou à chama escassa da lamparina um dos papéis que tirara do velho toucador da tia.
— Isso — disse esta satisfeita por se ver compreendida.
Ãs sombras indistintas que reinavam no aposento sucedeu a claridade da lavareda, mas foi de pouca duração. Ainda não teria ardido metade do papel, já Agostinho, soltando um grito inexprimível, o atirava ao chão, abafava-o com os pés, precipitando ao mesmo tempo pela vivacidade do movimento a lamparina, que se fez em pedaços.
A escuridade tornou-se completa.
— Que foi, santo nome de Jesus! que foi, Agostinho? — dizia assustada Maquelina, erguendo-se a meio corpo.
— Que papéis eram estes, minha madrinha?
— Eu sei lá, filho; mas que foi ? valha-me o Senhor,
— Uma luz! uma luz! — bradou Agostinho fora de si; e saiu repentinamente da casa, atravessou a rua, enfiou pela primeira porta que encontrou aberta, galgou um lanço de escadas, penetrou em um quarto
onde trabalhavam pacificamente algumas mulheres, apoderou-se da luz que viu no meio da mesa, em volta da qual elas se formavam em círculo, e sem dar uma única palavra, saiu arrebatado, deixando em completa estupefacção as circunstantes, que só passados minutos voltaram a si, para correrem atrás do mancebo, que parecia possesso.
Agostinho entrou de novo no quarto da tia moribunda, aproximou-se do lugar onde deixara os restos do papel meio consumido, apanhou-o, examinou-o com escrupulosa atenção, depois correu à gaveta do toucador, sujeitou a igual exame os outros papéis semelhantes que ai estavam a monte.
— Por amor de Deus, madrinha... mas... de onde vieram estes papéis ? — exclamou ele, ao passo que um por um os passava em revista.
Maquelina, apoiada no braço convulso e com os olhos espantados, olhava para o sobrinho estupefacta.
— Eram do mano, o Senhor o tenha em glória; guardava-os naquela arca; ele sempre me disse que de nada valiam, e agora que eu me via precisada ia-os queimando, para...
— Mas, valha-nos a Virgem! era uma riqueza inteira que queimava assim!
— Que dizes tu, filho?
Os combustíveis da tia Maquelina eram nem mais nem menos que boas e excelentes notas de banco, às quais o velho Cipriano reduzira os seus haveres, porque o amedrontava o tinir do dinheiro metálico, como chamariz de ladrões: enquanto que por outro lado nunca se pudera resignar a separar-se do seu querido capital, em cuja contemplação saboreava aquela doce voluptuosidade, só dos avarentos conhecida.
Quando se procedeu a investigações em casa de Maquelina para descobrir o tesouro oculto, esqueceram-se, como quase sempre acontece, de examinar os lugares, por onde deviam ter principiado; enquanto profundavam a terra e escavavam as paredes, ninguém se lembrou de abrir a pequena gaveta, que nem chave tinha sequer, e onde Maquelina alojara toda a riqueza. Mas quem o podia supor!
O instinto do povo não o enganara desta vez. Cipriano era de facto rico. Vivera uma vida de privações, praticou um negócio de alta usura debaixo das maiores cautelas e mistério impenetrável; aí está explicada a sua riqueza. É receita infalível para chegar ao mesmo resultado; as pessoas, a quem não nausearem os ingredientes, adoptem-na, porque não falha. Desconfiando de todos, da própria irmã desconfiava, e dava-lhe por isso a entender que de nenhuma importância eram os papéis que ela às vezes por acaso chegara a descobrir.
Maquelina era ignorante, e nem imaginava sequer que se pudesse ter uma riqueza em papéis. Na sua inteligência, como na das crianças, a ideia de riqueza andava associada à de muito dinheiro em ouro e prata:
gavetas, cómodas, caixas e burras cheias dele ; e por isso ia queimando agora lentamente aquele tesouro que o irmão acumulara; e isto com o fim de poupar carqueja!
Cleópatra, brindando os amantes com soluções de pérolas preciosas, não conseguiu ser mais magnifica. Era um passatempo de milionário o de Maquelina.
Se Deus lhe prolongasse a vida, até onde iria aquela monstruosa combustão? Que soma enorme seria aniquilada! E ainda assim quanto não consumiria!
Nunca se pôde calcular.
Há o quer que é de sublime neste quadro. Uma mulher velha, caquética, esfomeada, agonizante, tendo ao alcance do braço uma riqueza, como ela nem sequer concebera nos seus mais ambiciosos sonhos, e queimando-a!
A notícia inesperada, que recebia agora, imprimiu àquela existência o derradeiro abalo. A alma, já quase desapegada do corpo, abandonou-o de todo e partiu.
À meia-noite morreu a santa criatura, contente, porque deixara rico o sobrinho e afilhado, único parente que possuía na terra.
Ainda assim, quando se divulgou a notícia, o que, graças à comunicabilidade das mulheres a quem gostinho usurpara a luz, e que foram as primeiras a sabê-la, se não fez esperar muito, houve quem se penteasse como herdeiro.
Faria rir se expusesse aqui os fundamentos das pretensões desta gente, e eu não quero fazer rir o leitor a quem peço antes uma lágrima para a memória de Maquelina.
Não seguiremos agora a história de Agostinho, que se modela por a de todos os homens ricos.
Apenas direi que por suas especulações comerciais conseguiu multiplicar o capital tão inesperadamente herdado, e hoje é milionário.
Vejam o instinto do povo!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Espólio do Senhor Cipriano - Parte III

Júlio Dinis é mais conhecido por seus 4 romances. As Pupilas do Senhor Reitor é o primeiro a ser publicado e também o mais conhecido. Foi adaptado para o teatro e representado ainda em vida do autor. Os fidalgos da Casa Mourisca foi último escrito e não chegou nem a ser completamente revisto por Júlio Dinis. Esses dois e A Morgadinha dos Canaviais mostram a vida no campo e nas aldeia portuguesas. A paixão pelo campo foi inspirada ao autor quando este esteve passando um tempo na casa de alguns parentes para tentar tratar a tuberculose.
Já Uma Família Inglesa trata da vida da pequena burguesia nascente na cidade do Porto, transformando-se em algo com traços autobiográficos, pois foi o meio onde o autor nasceu. Em todos eles, Júlio Dinis é escrupuloso em descrever com detalhes e realismo a paisagem, os costumes, o estilo de vida e os caracteres das classes portuguesas. Dessa forma, há descrições minuciosas e por vezes extensas que procuram ser leves pois o autor considera-as como parte fundamental de sua obra como um todo.


O Espólio do Senhor Cipriano - Júlio Dinis - Parte III



Não sei de nada mais delicado, do que é este ser misterioso e respeitável por excelência, a que se dá o nome de público. É singular como todos tomam a peito manter-lhe a veneração devida e se doem às mais levas infracções que esta sofre. Grita-se contra um facto escandaloso, pateia-se no teatro uma produção imoral, fulmina-se um procedimento menos honesto, em respeito ao público, já se sabe. Não me ofendi eu, nem vós, nem eles; interrogai-os um por um, nenhum se dará por ofendido, mas todos vos responderão com a fórmula: «e o público!» Porém valha-nos Deus, o público é exactamente constituído por mim, por ti, por vós todos que assim respondeis; como é, pois, que de elementos tão pouco susceptíveis resulta um produto
tão melindroso?
Cada qual no gabinete lê uma obra de duvidosa moralidade, ri-se, diverte-se com a leitura, e ninguém quererá admitir que ele lhe possa ter causado o menor prejuízo. Aí temos portanto uma obra inofensiva ; pois não é tal; antes a vemos proclamar um verdadeiro veneno servido pela imprensa ao público, um miasma que se ergue dos prelos, um fermento de dissolução de costumes, e outros nomes igualmente feios. A não vermos nestes factos a confirmação daquelas ideias, que nas primeiras páginas expendi, não sei que outra solução razoável daremos ao problema.
É certo, porém, que o público, citado pelo regedor, achava-se exactamente nestas circunstancias. Todos os presentes abanavam a cabeça em sinal de aprovação; nenhum pela sua parte se mostrava escandalizado com o extemporâneo aparecimento de Maquelina, mas o complexo pelos modos sofria muito com isso.
A referida observação da autoridade humedeceram-se os olhos de Maquelina.
— E que lhe hei-de eu fazer, Sr. Bento Maria ? Quem é pobre...
Houve sussurro na assembleia; o adjectivo parecia beliscar o auditório.
— Pobre! É sempre o mesmo estribilho — disseram algumas vozes.
O regedor serenou o tumulto, dirigindo-se a Maquelina.
— Bem, deixemos agora isso. O que a traz por aqui?
Maquelina explicou-se. A indignação dos circunstantes rebentou.
— Sempre é desaforo!
— Também é preciso ter descaramento.
— É digna do irmão, já vejo.
— A alma do sovina meteu-se-lhe no corpo.
— Quem esconjura esta mulher ?
O regedor principiou a franzir a testa.
— Ora vejam a pobrezinha.
— Nosso Senhor a favoreça, irmã.
— Ora já viram!
O regedor levantou-se.
— Quem enterra o mano ?
— Forte perda, se fica de fora!
— Aquele nem os bichos o querem.
— Leva rumor! Ai, que eu...—rugiu por entre dentes o regedor, e todos imediatamente... silent, arrectisque auribus adstant. Pudera; o ai, que eu... do Sr. Bento Maria não ficou a dever nada ao célebre quos ego... de Neptuno. O regedor sabia, como Virgílio, o valor de eloquentes reticências. Em auxílio da ordem veio de mais a observação de um circunstante, dotado de sentimentos mais humanitários.
— A mulher tem razão, coitadinha, se o miserável deixou tudo escondido.
As massas são fáceis de impressionar. O alvitre modificou as opiniões.
-— É assim, é assim.
— Pobre criatura!
— Que vale tê-lo, se se não sabe aonde ?
Por este tê-lo entendia-se dinheiro; é de facto o substantivo que mais elipses suporta; tão presente o trazem na ideia, que não necessita estar nas orações antecedentes, para ser subentendido.
— Sim, sim, ela tem razão, é pobre, é...
O regedor enfarinhado nas praxes constitucionais, não era homem que fosse de encontro à opinião dos fregueses e, portanto, depois de concentrar por algum tempo o espírito, operação que nem por isso lhe aumentou demasiado a energia, passou o seguinte atestado, modelo de diplomacia e de exactidão ortográfica:
«Eu Bento Maria do portal, regidor de esta freguesia atesto im
como Maquilina Rosa Martins, solteira, de esta Cidade, não tem, aberes para lazer, as despesas do intero do seu irmon cepreano cujo consta ter dinheiro. Mas o quecerto é que por morte se não incontrou i se é
berdadeiro o dito do bulgo o debe ter, nalgum iscondrijo, que ainda se não inchergou. E por ser berdade o que Açupra, atesto e mo diserem pessoas diganas para mim de todo o Creto, pacei esta que juro.
«Dada em esta Cidade a 12 de Janeiro de...
«Bento maria do portal.»
Bento Maria era decididamente o funcionário público de mais expediente e de mais arrojadas medidas que existia então na cidade, Depois de mais algumas dificuldades e tropeços sempre se conseguiu enterrar, à ordem da junta de paróquia, o velho Cipriano, o qual de outra maneira bem teria de ficar fora do seio da terra, por não haver deixado dinheiro.
Todos estes acontecimentos, longe de desvanecerem os boatos das ocultas e sonhadas riquezas de Cipriano, os aumentaram, e deram lugar a duas versões diferentes.
Uns, mas eram a minoria, lançavam em rosto à pobre Maquelina o mesmo que haviam imputado ao irmão; outros, porém, viam nela uma vítima, ainda além da campa, da sórdida avareza do incorrigível octogenário.
Só Maquelina é que rejeitava urna e outra crença. Sabia-se inocente e não se acreditava vítima. E lutando com a idade avançada, tirava forças da fraqueza e ia provendo conforme podia ao seu sustento
quotidiano.
Não pôde, porém, resistir inteiramente às insinuações dos que falavam em tesouros enterrados, e as portas da casa abriram-se de par em par a uma junta de inquérito, presidida pelo regedor, a qual, pelos mais escusos recantos, e a grande profundidade no quintal procurou o decantado tesouro, sem no fim colher frutos de tantos esforços.
E as coisas conservaram-se por muito tempo neste pouco agradável statu quo. Um dia, porém, pioraram longe de se desanuviarem, as circunstâncias de Maquelina. Um sobrinho seu, filho de uma irmã que morrera jovem, voltou do Brasil e, contra o que era de esperar, vinha como partira, isto é,
com a riqueza de Job na desgraça.
A história deste rapaz é uma história longa e curiosa, que desta vez não contarei ao leitor.
Uma manhã, pois, quando Maquelina estava meditando em não sei que medida de economia doméstica, importantíssima para a melhor direcção de suas mesquinhas finanças, entrou-lhe pela porta dentro um rapaz magro, espigado, de fisionomia denunciadora de sofrimentos, o qual lhe estendia as mãos, dizendo: — Bons dias, madrinha, então não me conhece?
— Santa Maria! Querem ver que... És tu, Agostinho?
— Eu, eu mesmo.
A boa Maquelina saltou-lhe ao pescoço e devorou-o de beijos. O rapaz viu-se em talas e com ameaças de asfixia. Depois veio um pensamento à tia Maquelina, pensamento um pouco interesseiro é verdade, mas desculpem-na, e não ma principiem já por isso a olhar com maus olhos; todos como ela o teriam, e, o que
pior é, a poucos viria apenas em segundo lugar e só muito após dos espontâneos impulsos de uma afeição desinteressada: «o rapaz vinha Brasil... e o Brasil sempre é o Brasil» foi a ideia que lhe voou pelo
— Então — disse ela, movida por essa ideia— vens... rico!
Agostinho voltou os bolsos do avesso por única resposta. Maquelina juntou as mãos e não deu palavra.
E para quê? Queriam ainda de parte a parte mímica mais expressiva!
.— Vim para não morrer de fome.
Aqui benzeu-se a boa da tia.
— Embarquei como moço de navio por não ter dinheiro para a passagem.
Neste ponto persignou-se.
— E agora venho pedir-lhe — continuou o sobrinho — que me receba em casa até... até... arranjar modo de vida.
Maquelina, quando, junto da pia baptismal do pequeno Agostínho, se declarara madrinha, à face da Igreja, do filho querido de sua irmã, tinha já concebido uma alta ideia da missão que desde aquele momento ia adoptar por sua e para com o recém-nascido, que sustentava nos braços; nem foram para ela simples palavras de formalidade as que em tom de prédica ouvira ao pároco, sobre os seus deveres futuros. «Na falta dos pais, dissera ele, aos padrinhos compete a vigilância e a educação das crianças, que sob a sua protecção entrarem no grémio da Igreja católica». Ora os pais de Agostinho lá se tinham já partido para melhor morada, e Maquelina, que, eminentemente escrupulosa em negócios de consciência, se julgava por ela obrigada a cumprir até ãs últimas extremidades os seus deveres de cristã, tinha de mais a mais um coração farto para afeições e sentimento.
Fechou, pois, os olhos aos sacrifícios futuros e aceitou a companhia do afilhado.